Especial: Zelito Viana, o maestro do cinema

Zelito Viana

Ele sempre foi apaixonado por música, mas nunca chegou a orquestrar para uma grande plateia. Diz não dominar ainda todas as técnicas dessa arte, mas sempre está atento aos sons e trilhas sonoras de seus filmes. Nascido no Ceará, criado no Rio e formado em Arquitetura, Zelito Viana encontrou no cinema uma alternativa para diminuir a frustração de não ser maestro e, além de ter se tornado uma referência na produção audiovisual nacional, é um dos maiores motivadores do cinema brasileiro.

Para ele, até o pior filme da nossa safra é melhor que qualquer produção americana. A paixão do cearense pela sétima arte está no sangue. Irmão de Chico Anysio, Zelito já soma 50 anos de carreira e foi ovacionado em homenagem realizada na nona edição do Amazonas Film Festival por sua contribuição ao cinema nacional. Robério Braga, titular da Secretaria de Cultura do Amazonas, registrou, durante a abertura do evento, no último sábado, que a escolha de Zelito para ser homenageado esse ano foi carinhosamente pensada.

“É uma redundância, mas estou muito honrado em ser presidente de honra do festival, que é muito importante para o nosso circuito. Pretendo voltar novamente daqui a alguns anos, agora para entrar na mostra competitiva”, disse Zelito. Responsável por obras como “Minha Namorada” (1970), “Os Condenados” (1974), “Morte e Vida Severina” (1976) e “Avaeté, Semente da Vingança” (1984), foi reconhecido internacionalmente, com destaque para o Prêmio Air France de Cinema como melhor produtor por “Terra em Transe”. Produziu dezenas de filmes, como “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha; “A Grande Cidade”, de Cacá Diegues; e “Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho.

Ele conta que caiu de paraquedas na indústria. “Quando comecei, eu era engenheiro e não tinha noção do que fazia. Nem sabia que seria um cineasta. Tive a sorte de cair nas mãos de Glauber Rocha, que é um gênio”, relembra o cineasta. Zelito começou como produtor dos filmes de Rocha, um dos precursores do movimento conhecido como Cinema Novo, e viveu uma época de glória do cinema nacional.

“Glauber sofria por ser um gênio e as pessoas nem sempre o compreendiam. Quando o roteiro de ´Terra em Transe´ chegou até mim, tínhamos consciência de que era uma obra-prima”, contou. Aos olhos de Zelito, o roteiro era bem melhor do que o filme e, por falta de incentivo financeiro, não havia verba suficiente para dar vida à magnitude criada por Glauber Rocha. “Naquele tempo, era muito agradável fazer filme. A equipe ganhava um cachê simbólico. Era mais uma aventura com um aspecto lúdico. O cinema de hoje perdeu isso”.

Identidade

Mas Zelito não é pessimista em relação à nossa produção cinematográfica. Pelo contrário. Por mais que filmar no Brasil seja um problema, antigamente, era preciso ter o domínio da tecnologia, saber mexer com película e efeitos especiais. Hoje, todos os processos são muito mais acessíveis. “A tecnologia permite qualquer tipo de filmagem. Ela vai democratizar o cinema, que fatalmente vai mudar. O cinema será arte mesmo quando qualquer pessoa puder fazer”, aposta o diretor.

As leis de incentivo à cultura facilitaram a contação de histórias nas telonas. Zelito lembra que, durante o governo Collor, o cinema ficou em recesso durante muito tempo, forçando os cineastas a largarem suas atividades para trabalhar na TV e em comerciais. Quando retornou, o cinema teve dificuldade em trazer de volta esses trabalhadores principalmente porque o custo das produções ficou alto. “Uma vez conversando com (Francis Ford) Coppola, falei que fiz ´Os Condenados´ com 90 mil dólares. Ele não acreditou”, disse. A atual produção tem a vantagem de contar com o fomento dos editais, que propiciam a contemplação de histórias com temáticas variadas, ainda que também beneficiem comédias urbanas de alto apelo comercial e pouca qualidade. Segundo Zelito, o cenário nacional perdeu um pouco da ideia de fazer um filme de qualidade com baixo custo, assim como faz Argentina, que se destaca internacionalmente por sua cuidadosa filmografia. São tramas mais pessoais, que permanecem entre o cinema de arte e o blockbuster. “O que cria emprego hoje é o filme ´normal´, como ´Colegas´”, falou, encantado, após assistir à exibição especial do longa dirigido por Marcelo Galvão, na abertura do Amazonas Film Festival. Além da necessidade de contar boas histórias, Zelito fala que a boa distribuição dos filmes e o aumento de salas são necessários para acompanhar esse processo de democratização, bem como a popularização dos preços dos ingressos.

A filmografia de Zelito Viana foi homenageada no Amazonas Film Festival com a exibição de “Villa-Lobos – Uma Vida de Paixão”. Ainda que pense vagamente em se aposentar um dia, o cineasta ainda tem muito trabalho pela frente. Ele está acabando o roteiro de “Sedução”, sobre um ator que recebe a notícia de que o pai morreu e parte para uma descoberta pessoal. Prestes a ser exibidos estão o curta “Sonhos de Futebol” e os longas “Sons da Esperança” e “Augusto Boal e o Teatro Oprimido”. E sobre aquela paixão pela música, Zelito pretende voltar ao Teatro Amazonas, dessa vez dirigindo uma ópera. Ele já está estudando para isso.

Matéria originalmente publicada no Jornal Diário do Nordeste.

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