Entrevista | Paulo Cesar Toledo, diretor de Waiting For B (2016)

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Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel, diretores de Waiting For B (2016)

Beyoncé é um ícone da música pop atual, com voz potente e uma presença de palco que esbanja carisma e coreografias sensuais.

A cantora texana se transformou também em sinônimo de feminismo, empoderamento e luta pela igualdade racial, reforçado especialmente pelo seu último álbum, “Lemonade”, lançado ano passado e mundialmente elogiado.

A base de fãs da cantora se identi๊ca como BeyHive (uma referência a “colmeia”). No Brasil, o público é um dos mais intensos e reverencia o talento que a transformou em um dos nomes mais poderosos da indústria fonográ๊fica.

O documentário nacional “Waiting For B”, dirigido por Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel, acompanha diversos fãs da cantora que acamparam durante dois meses antes do show que ela realizou em São Paulo, em 2013.

Os cineastas estreantes mostram a rotina desses jovens que, sem recursos para comprar os ingressos mais caros, decidem acampar no estádio do Morumbi para garantir um bom lugar no show. Ali nasce uma irmandade, a partir do que a cantora representa para cada um deles.

Enquanto desvendavam a relação de admiração dos jovens pela artista, os diretores foram descobrindo novas facetas para a história do ๊lme. Ao observar o comportamento dos personagens, em sua maioria negros e homossexuais, surgiram questões como desigualdade social, identidade, racismo, orgulho gay, homofobia e feminismo.

Representatividade

“Waiting For B” realiza uma abordagem mais profunda sobre o lugar desses jovens no mundo, suas relações pessoais e como a paixão pela diva pop transforma suas vidas. Assim como outros ícones da música, Beyoncé também serve de inspiração para esses fãs que se encontram no discurso que ela carrega em suas músicas.

“Muitas vezes, em casa, eu dancei Beyoncé quando meus pais não sabiam sobre a minha sexualidade. Eu fechava todas as portas, colocava uma música dela e começava a dançar, dublar, coreografar, e é uma forma de eu começar a me aceitar mesmo porque é uma fase difícil para quem realmente é gay. Por isso que eu posso dizer que Beyoncé tem um peso muito grande na minha vida”, conta Bruno Brunet no filme.

De acordo com Paulo Cesar Toledo, o longa-metragem foi feito praticamente sem orçamento inicial, cerca de R$200. A proposta original é que fosse um curta-metragem, mas o envolvimento com os personagens e o surgimento das histórias ๊zeram com que as gravações rendessem mais do que um simples registro sobre a relação entre fãs e ídolos.

wfb“Pelo modelo de documentário que temos, era quase impossível não ter tocado nesse ponto. Eu acho que a beleza desse  filme é você ter um tema superficialmente leve e divertido, mas que toca nesse assuntos que são os mais relevantes. Você tem o guarda-chuva do fanatismo, a relação com o ídolo, mas que tem muito a ver com o desejo de extravasar, de se defender de uma sociedade que não te trata bem, e encontra na música uma forma de expressão”, conta do diretor.

Entre os personagens estão jovens como Junnior Martins, que trabalhava como cabeleireiro para sustentar a família e depois encarava uma viagem de três horas para o estádio; e Charlles Felipe, um empresário nato, que era o primeiro da ๊la no acampamento e mantinha a organização das barracas com bastante critério.

Além de mostrá-los acampados no Morumbi, o documentário também acompanha seus respectivos cotidianos. Gabriela Electra, por exemplo, trabalha durante o dia e aproveita as noites para fazer apresentações cover da cantora em casas noturnas de São Paulo.

Gabriela e seus amigos discutem as motivações que os levam a representar a diva pop. Perucas, roupas idênticas às originais e coreogra๊as bem desenvolvidas são formas de homenagear quem tanto admiram. “Mesmo assim, você pode estar o mais perfeita possível, vai ter gente querendo te desanimar, mas se você tiver amor pelo que você faz, você vai em frente e nem liga”, diz Gabriela.

Reconhecendo a inquieta base de fãs que Beyoncé tem no Brasil, a jovem Jessica Lima conta que a  figura da mulher forte que ela representa inspirou sua própria vida.

“Ela ser uma afrodescendente traz uma alegria ainda maior porque, independente do que muitos acham, tem uma parte da sociedade que acha que o negro não pode fazer tanto sucesso quanto o branco. Ela vai contra tudo isso. E ela consegue o dela sem fazer barracos. Ela é uma imagem de superação. Ela foi minha fonte de inspiração para aprender inglês, ela foi minha fonte de inspiração até mesmo para prosseguir na faculdade”, revela no filme.

Independente

Depois de circular em mais de 30 festivais, Paulo Cesar conta que é “quase um milagre” que o documentário entre em cartaz no circuito comercial. Isso porque o filme foi realizado de forma independente e autoral, e só depois de rodado conseguiu parceiros para dividir os custos maiores de finalização da obra.

“Tudo começou com a intenção de produzir alguma coisa que fosse sem grana. Faziam alguns anos que tentávamos editais e leis de incentivo e nunca rolava. Você fica nesse ciclo vicioso sem apoio porque não tem currículo e não tem currículo porque não consegue apoio”, diz.

Na época, Paulo Cesar leu uma matéria no jornal que falava sobre o acampamento que tinha se formado no estádio e se interessou pelo tema. “Eu tinha curiosidade de saber as motivações que levam alguém a acampar e fomos dar uma olhada para render um curta para colocar na internet, até mesmo antes do show, e assim começou”.

A espontaneidade e o respeito com que ele e Abigail Spindel entram na vida dos personagens vem muito do processo do documentário de observação, que permite o aproveitamento de questões que estão ao redor do tema principal.

“O fato de termos feito o filme só nós dois foi essencial para que eles tivessem tudo tão aberto e espontâneo. Depois da terceira ou quarta vez, deixamos de ser novidade e passamos a fazer parte do acampamento. Éramos duas pessoas que estavam acampando com uma câmera na mão. Não filmávamos o tempo todo, ficávamos conversando com eles. Realmente foi um processo como se estivéssemos lá na fila também”, revela o diretor.

A expectativa é que “Waiting For B” alcance não apenas outros fãs de Beyoncé, mas também possa emocionar todos os públicos pelo recorte social e político que faz.

Depois da passagem pelos cinemas brasileiros, o documentário deve buscar espaço em outros meios de exibição, que é onde o diretor acredita que terá mais visibilidade devido à convergência das plataformas digitais.

Com a projeção que os diretores conseguiram com “Waiting For B”, a ideia é continuar realizando filmes, independente de apoio financeiro. Paulo Cesar conta que tem interesse em experimentar também a ficção e que um novo projeto deve ser realizado ainda esse ano.

Publicado originalmente pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.

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