Crítica | O Melhor Lugar do Mundo é Agora (2021), de Caco Ciocler

O desejo de O Melhor Lugar do Mundo é Agora, novo longa-metragem dirigido por Caco Ciocler, é refletir sobre o abalo sísmico sofrido pela arte e pela cultura no atual governo federal, aliando-se à mais recente “categoria” de produção de filmes feitos na pandemia. Assim, o ator e diretor busca conceber um filme de resistência, na tentativa de apontar que o cinema e as outras artes continuarão existindo independentemente dos demônios e das circunstâncias políticas que atormentam o setor cultural.

A obra tem como dispositivo central o trabalho cênico dos atores convidados por Ciocler, que falam para a câmera sobre suas experiências pessoais e artísticas, além de outros pensamentos sobre o mundo. Cada um em sua casa, eles se abrem para brincar com o real, o improviso e a invenção, estabelecendo campos múltiplos de interpretação dos respectivos discursos e compondo, juntos, a estrutura da obra. Ciocler atua como mediador das conversas, gravadas de forma direta em plataformas de reuniões que encurtam o distanciamento imposto pela pandemia, ao mesmo tempo que nos virtualiza pela ausência do contato físico. As falas são feitas com um tom de confidência, que aproxima e fascina o espectador de formas distintas a partir do que cada personagem articula.

Ainda que Ciocler questione, em determinado momento do filme, se eles estão dando depoimentos verdadeiros ou mentindo para a câmera, no fim das contas já nem importa tanto porque, de uma forma ou de outra, as histórias estão profundamente imersas no campo da performance. Nesse sentido, é inevitável não aproximar este a Jogo de Cena (2007), documentário de Eduardo Coutinho que ficou marcado por mecanismos similares e que, talvez na época, a brincadeira entre o real e o ficcional ainda fizesse algum sentido para que o público descubra algo e surpreenda a partir das estratégias de encenação.

Ao contrário de Coutinho, cujos gestos estéticos dão conta da concepção da obra citada, Ciocler opta pelo registro simples em que telas de webcam se intercalam na montagem sem grandes artifícios técnicos. O diretor não parece interessado em descobrir como continuar filmando na pandemia ou o que pode ser feito em um contexto de interdição, como boa parte dos filmes que surgiram nesse contexto acabaram se colocando – e aqui podemos citar os ótimos Host (2020), que repensa o espanto no gênero de horror, e Coronation (2020), do cineasta chinês Ai Weiwei, que tenta reinventar o modo de produzir e dirigir um documentário político à distância sobre a gênese da própria pandemia.

A dinâmica se afasta inclusive das escolhas narrativas feitas por Ciocler em seu filme anterior, Partida (2019), em que o trabalho corpo a corpo com o elenco traz surpresas para a interpretação e, consequentemente, para a dramaturgia pretendida. Assim, a obra acaba sendo sobre o poder da fala e da (r)existência em tempos turbulentos, o que deve bastar como abordagem política, ainda que não se aproprie de uma identidade fílmica própria. Então resta ao espectador o exercício da escuta, que varia entre ótimas inserções de humor, principalmente pela câmera da implacável (e gilbertista) Luciana Paes, e as discussões sobre o papel do ator, a “perigosa” mamata da Lei Rouanet e as notícias falsas que surgem a rodo todos os dias na internet.

O Melhor Lugar do Mundo é Agora é mais um entre muitos frutos da pandemia, mas que existe com modéstia e acredita plenamente no que desenvolve durante a projeção – não importa se o que é dito ali é realidade ou ficção porque todas as histórias são recortes valiosos do mundo, e estamos precisando delas para seguir em frente, sobretudo das boas. É nesse mundo que Ciocler crava a sua intenção como realizador, pede que os artistas sejam respeitados e contraria a visão discriminatória de que a arte é inútil. Sem cultura, não há como uma nação progredir, e cabe a nós, que acreditamos nela, lutar contra o apagamento de quem tenta deslegitimá-la.

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Filme visto na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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