Review | Pelo Malo (2013), de Mariana Rondón

PeloMalo

Em 2007, a diretora e artista visual venezuelana Mariana Rondón realizou “Postales de Leningrado”, que mostra a visão de uma garotinha sobre a guerrilha que assolou o país em 1960. O longa, extremamente competente, venceu troféus importantes pelo mundo, com destaque para o prêmio principal do 18º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema e para o prêmio revelação do Júri na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Seis anos depois, Rondón retoma a visão cultural, social e política do seu país pelos olhos de uma criança com “Pelo Malo”.

Na trama, Junior (Samuel Lange Zambrano) tem nove anos e mora em um cortiço com a mãe Martha (Samantha Castillo) e o irmão. Renegado pela matriarca, uma mulher fracassada que mal consegue manter um emprego e extremamente preconceituosa, Junior passa seus dias ao lado de sua amiga, interpretada por María Emilia Sulbarán, planejando como serão as fotos para o álbum da escola. Enquanto ela quer se vestir de miss, Junior, que adora cantar e dançar, quer alisar o cabelo crespo para parecer com um cantor famoso na foto, ao contrário dos outros meninos, que preferem se vestir de militar (a miss e o militar, símbolos da cultura venezuelana).

A decisão do garoto incomoda Martha, que o recrimina sempre que pode. É na casa da avó Carmen (Nelly Ramos) que Junior vai encontrar um pouco de espaço para ser ele mesmo. O despertar da sexualidade é um tema bastante sutil neste longa, sem nunca afirmá-la com certeza. Junior é, acima de tudo, uma criança que não vê maldade em ter cabelo liso e sua ingenuidade se contrapõe à cultura machista não apenas do subúrbio onde vive, mas de boa parte da sociedade da Venezuela. Enquanto o roteiro de Rondón costura sua visão sociopolítica do país, ela nos entrega um filme sobre o seguir as convenções ou não, temática válida em qualquer lugar do mundo.

O texto inspirado foge ao máximo do melodrama, sem vitimar aqueles personagens, mostrando-os abalados pela pobreza e pela discriminação, mas que não fazem disso um fardo suicida. A sutileza dos conflitos vividos por Junior são interessantes de acompanhar e, independente de sua sexualidade, mostram o lado puro da infância e como a imposição de comportamentos e atitudes podam as pessoas. Martha, mãe solteira e falida, vê o filho com desprezo. O preconceito da matriarca chega ao ponto de levar o garoto a um médico, como se com remédios ele pudesse ficar “menos gay”. E mais, ela ainda é capaz de ter relações sexuais na frente do garoto, como quem mostra que o homem foi feito para a mulher. O roteiro ainda abre espaço para um humor refinado, aparentemente inocente, mas que diz muito sobre aquela nação.

O principal mérito de “Pelo Malo” está nas interpretações. Samuel Lange Zambrano elabora Junior com tanta propriedade que fica fácil se render à história. Seja aprontando bizarrices para alisar o cabelo ou dialogando com a sua amiga de escola, o garoto carrega a trama, principalmente durante os embates familiares. Samantha Castillo também entrega uma atuação soberba, construindo uma mãe detestável, cruel e preconceituosa. Os dois crescem em cena durante a projeção, sustentados também pelos coadjuvantes competentes. Sempre que aparece, a garotinha María Emilia Sulbarán encanta, sendo responsável, ao lado de Junior, pela bela cena de desfecho do longa.

Tecnicamente seguro em sua realização, “Pelo Malo” conta com uma montagem dinâmica, que jamais perde o ritmo, e uma direção de fotografia inspirada, explorando visualmente com muita competência o universo daqueles personagens. O longa mostra o tato que Mariana Rondón tem para histórias que trazem em suas entrelinhas muito mais do que parece. A crítica política está sutilmente presente, bem como o estereótipo do subúrbio venezuelano, o que gerou certa resistência do governo e de outros cineastas do país em relação ao filme.

“Pelo Malo” venceu o prêmio especial do Júri no Festival de Havana 2013 e foi exibido na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no 10º Amazonas Film Festival. Com estreia em circuito limitado no Brasil, a mão certeira de Rondón como contadora de histórias demorou para voltar às telonas, mas voltou com bom gosto.

Avaliação: 9/10

Esse filme fez parte da programação do 10º Amazonas Film Festival, em novembro de 2013, e o texto foi originalmente publicado no Cinema com Rapadura.

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