Crítica | Muito Romântico (2016), de Melissa Dullius e Gustavo Jahn

Avaliação: 3.5/5

Não existe beijo em “Muito Romântico”. Ao contrário do que se pode supor de um título que chega a ser genérico, a obra canaliza o afeto entre um casal a partir da mudança pessoal que eles vivem quando decidem ir embora para Berlim, na Alemanha. Entre eles, o hiato de deixar o passado e construir um novo futuro, tendo apenas eles mesmos como força.

Melissa Dullius e Gustavo Jahn atuam, produzem, roteirizam e dirigem o drama, que vai além da ficção
para adotar ideias experimentais. É o que tem se convencionado classificar como cinema de invenção, no qual a preocupação em repensar as formas de fazer filme estão diretamente conectadas ao trabalho estético da imagem e de seus desdobramentos de linguagem.

Inspirados pelos vanguardistas Jean-Luc Godard e Julio Bressane, a dupla confere um tom saudosista desde o início, na sequência da viagem de barco. As imagens granuladas dão a incerteza do período em que o filme passa, mas ajudam a trazer a característica de um filme memória, quase um diário de bordo onde eles precisam deixar se transformar.

No meio das sequências ficcionais comuns, os realizadores inserem elementos que conferem o ritmo da narrativa, que se utiliza de fotografias, cores, musicalidade e elementos cenográficos para mostrar a mudança entre eles.

O tema “casal” continua ali, mas de uma forma mais comum. Não há romantização, pelo contrário. Eles parecem viver um estado mórbido de mudança, como se fosse um processo de fuga que não deu certo. “O Romantismo acabou e não voltará jamais, todos precisamos levar isso em conta hoje em dia”, lê em um livro um dos personagens.

Nesse caleidoscópio de imagens, onde tudo e nada é possível acontecer em tela, Melissa e Gustavo discutem a imigração de uma forma mais íntima, descascando as velhas referências que não são abandonadas por nós em momentos de transição e as novas que se constroem em um outro cenário como Berlim, que está em constante transformação.

A imagem conceitual jamais parece aleatória, mesmo quando os espaços de tempo são sublinhados entre os personagens. Eles não estão estáticos, pelo contrário. Estão em efervescência, em dúvida, em catarse. As escolhas visuais dos diretores muito contribuem para que essas sensações sejam construídas de forma natural, principalmente ao não se preocupar muito em explicar demais.

Não que seja um filme confuso, pelo contrário, é claro até demais para um “experimental”, mas a obra tenta sempre se superar em suas formas de conversar, seja dentro da cena ou com o espectador.

Abrindo mão da narrativa clássica, o que Melissa e Gustavo fazem é um trabalho inventivo que durou cerca de nove anos para ficar pronto. É um filme pessoal demais, mas que contempla as expectativas de quem o assiste ao questionar o lugar no mundo e em especial as mudanças físicas, sentimentais ou geográficas que estão sempre acontecendo.

“Muito Romântico” é um filme de invenção e de imersão, que vai na contramão do tradicional para se encontrar em outra perspectiva audiovisual. Um mergulho profundo na existência humana.

Publicado originalmente pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.

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